sexta-feira, 8 de abril de 2011

A CABEÇA DO DOUTOR ROCK’N ROLL -CONTOS DE NINO LEE

A CABEÇA DO DOUTOR ROCK’N ROLL

Tudo estava radiante pra mim naquela noite fria, afinal eu seria o dj, finalmente, da festa rock n’ roll naquela casa chiquerrima  e top da cidade onde por esses desvios da vida eu havia parado naquela época, mal sabia eu o que estava por vir...

Nos meus discos, entre opções psicodélicas, funks 77 pesados, brit pops, glams rocks, punks jurássicos e modernóides optei por rockões dos anos setenta que entre os petardos disponíveis poderia agradar e me tornar por uma noite o rei do pedaço, o "doutor rock n’ roll" em pessoa!!!

A casa estava cheia, cheia de patricinha e magal (magal para quem não sabe eh como a gente apelidava os playboizinho filhinhos de papai) todos dançando alegres e faceiros ao som da hora do dj residente que esquentaria as turbinas pra entrada colossal do "doutor rock n’ roll", como anunciado no cartaz da festa.

A hora chegou, apresentada a atração da noite, lá vou eu feliz da vida dando um play em godzilla do "Blue Oyster Cult", um rockaço.Nos primeiros dez segundos da musica veio o choque: o publico estancou como se estivesse brincando comigo de stop, todo mundo me fitou e eu me senti como o Frodo olhando no olho do Sauron, olhando nos olhos daquela gente...engatei a segunda:”Gimme all your love” do ZZ top e as vaias começaram a explodir, ”Hold Back The Water”, disparada em seguida poderia causar um frisson como causou naquele baile irado de Cidade de Deus, triste engano, foi justamente ai que entra na cabine um brutamontes metido a badboy com cara de baby johnson gritando e rosnando por uma tal de “créu”, toca um “Créu” ae meu, e segurando um machado nas mãos decepa violentamente um de meus braços... sangrando muito e com uma dor extrema não me faço de rogado, afinal o rock haveria de vencer, tasquei um "Hair of the Dog” neles, aquele rockaço do NAZARETH e o publico parecia começar a distorcer suas feições como numa cena de “Um drink no inferno”, pedras pontiagudas começaram a ser disparadas em minha direção, assim como pedaços de pau com pregos encravados, machucado pelos instrumentos de tortura medievais mal conseguia me esquivar da ira da multidão quando dois pitbulls raivosos e três poodles do inferno saltaram sobre mim e começaram a devorar minhas pernas enquanto o publico urrava por “pagode” toca um pagode ae seu filha da puta!!, rosnava a multidão monstruosa e impiedosa.

Destroçado, esvaindo, sem braço e já sem minhas pernas me negava a morrer e em homenagem a isso mandei o play em ”Never Sae Die” do Sabbath,enquanto o coro da multidão, que mais parecia um ensurdecedor uivo de lobos sanguinários suplucava por um tal de Luan Santana...

O publico havia se transformado em demônios colossais e dementes, um deles com quatro metros de altura dotado de asas de morcego e dentes de tubarão usando um imenso botom com a capa do disco da novela das oito avançou sobre mim enquanto eu, desmembrado, arriscava um “Rock Bottom” do Ufo, puro tempo perdido cutucando onças com vara curta... e ainda não tinha nem sequer rolado um ACDC, quem sabe um ACDC ou um DETROIT ROCK CITY... mas ali estava eu naquela noite que era pra ser memorável, o retorno do rei! do rei do rocknroll... ali, sendo dizimado pelas seqüelas irreversíveis deixadas pela radiação mortal e horripilante da massificação e lavagem cerebral imposta a essa moçada sem passado e sem raiz. Devorado dantescamente finalmente perdi os sentidos e apaguei por um momento, tudo escureceu, imaginei se tratar de um pesadelo.
Mantive meus olhos fechados por um tempo, mas ao abri-los percebi toda a realidade que me circundava, restava apenas a minha cabeça jogada no chão sujo de copos amassados cheirando a cerveja choca e rodeado de guimbas de cigarro, numa poça de sangue vertida de minhas veias que outrora correram livremente ao som de Beatles e Stones assim, assim como a explosão de todos os movimentos culturais que presenciei no universo alucinado do rock n’ roll, visões de meu primeiro vinil, o Blizzard do Ozzy, o impacto dos Pistols, dos Dead Kennnedys, dos Ramones, a densidade envolvente de um Closer do Joy Division, a revolução do Nirvana, a volta ao passado pelas caixas dos Nuggets, o arrebatamento chique de um "Ok Computer", a porra louquice de um Iggy pop, o quebra-quebra de um Monumental The Who, as fantásticas bandas setentistas, o amor pelo Motorhead... tudo era tão apenas fragmentos na minha mente, meus discos estraçalhados no chão, a festa tinha acabado ou eu eh que tinha acabado com a festa?

Mas eis que de repente percebo não estar só, um ruído vindo do lado esquerdo de minha pobre cabeça me fez notar que havia mais alguém ali ...do outro lado da pista outra cabeça jazia viva, de rosto surrado, barba mal feita cabelos desgrenhados e fétidos, me gritava lá do outro lado com a boca escancarada quase cheia de dentes: TOCA UM RAUL AI, VELHO?

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